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29 Jun
29Jun

"Hoje o café vem amargo... e quente como madeira em chamas."  "Enquanto a chuva martela o telhado e o vento parece sussurrar em idiomas esquecidos, vamos adentrar um lugar onde o tempo parou: o Vale Calado."  "Prepare-se para conhecer uma lenda que ainda protege as matas do Norte... e pune aqueles que ousam desrespeitá-las."


As árvores do Vale Calado, no coração da Amazônia profunda, nunca recebiam turistas. Nem madeireiros. Nem bicho. Porque ali, o tempo não passava — e quem entrava, não voltava.
Dizia-se que à meia-noite, o chão tremia levemente e um barulho de folhas sendo esmagadas podia ser ouvido — de trás pra frente, como passos invertidos... mas ninguém jamais viu o que os causava. Ou melhor: ninguém sobreviveu para contar.
Em 1978, um homem chamado Antenor Valença, ex-militar endurecido pelas guerras e pela ganância, decidiu desafiar esse território com um grupo de caçadores. Riam das histórias. "Índio de cabelo em fogo? Só pode ser piada!" — zombavam, armados com rifles e coragem barata.
Na primeira noite, o grupo montou acampamento na clareira central do vale. O céu estava limpo, a lua cheia. Eles abriram uma trilha à força, derrubando árvores antigas, e encontraram pegadas viradas para trás na lama. "É só um truque de caboclo", disse Antenor. Ainda assim, naquela noite, ele não dormiu.
Às 3:03 da madrugada, o mato silenciou. Nem cigarra. Nem vento. Só um estrondo seco — como madeira rachando. Um dos caçadores desapareceu. Seu rifle ficou pendurado no galho mais alto de uma sumaúma — a mais grossa da região — sem marcas de escalada.
O pânico começou, mas Antenor não recuou. Até que encontraram um colar indígena feito com dentes de anta... e dentes humanos. "É armadilha. Continuem." No segundo dia, mais dois sumiram. Um foi encontrado com os pés virados para trás, ainda respirando, olhando para o céu com olhos tão arregalados que pareciam implorar por esquecimento.
No quarto dia, só restavam dois: Antenor e o rapaz mais novo do grupo, chamado Cauê. Com medo, Cauê implorou para voltarem. Antenor, tomado por raiva e orgulho, bateu no rapaz e seguiu mata adentro sozinho.
No final da trilha, ele chegou a uma clareira que nenhum mapa mostrava. No centro, uma árvore de casca alaranjada ardia em chamas verdes — sem se consumir. E ali, em pé, o Curupira.
Pele de madeira viva, cabelos em labaredas silenciosas, olhos sem pupilas. Seus pés, virados para trás, não tocavam o chão.
Antenor levantou a arma. Mas o tempo parou.
Quando o ex-militar piscou, seu corpo já estava preso no tronco ardente, gritando sem som, a carne se fundindo à madeira mágica. O Curupira olhou para Cauê, escondido entre raízes, e apenas fez um gesto com o dedo nos lábios: "silêncio, menino. Eu guardo o que o mundo quer esquecer."
Cauê sobreviveu. Voltou mudo, com os cabelos brancos, e nunca mais entrou na floresta.
Dizem que o Vale Calado ainda está lá. Intocado. Mas se algum dia você for tolo o bastante para entrar... olhe bem para os seus pés. Se eles não estiverem virados ao contrário... o Curupira ainda não te escolheu.

"Se algum dia você ouvir passos ao contrário na mata… pare." "Olhe bem para os seus pés."  "Se ainda estiverem na direção certa... ele não te escolheu. Ainda."  "Curupira não protege pessoas. Ele protege a floresta de nós."

"Este foi mais um episódio do Café com Derik. Se ainda estiver ouvindo... talvez tenha sido escolhido também."  "A floresta está viva. E ela tem olhos."